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“Viagens italianas”– exposição virtual do Arquivo Nacional

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Brasão de armas do navegador genovês Cristóvão Colombo
Raccolta di documenti e studi. Roma: Auspice il Ministero della Pubblica Instruzione, 1892-1894

As viagens italianas iniciam-se no Renascimento, lembrando que a invenção da perspectiva linear introduziu o sentimento do infinito, a possibilidade de navegar. Assim é que o genovês Colombo chega ao Novo Mundo e depois dele outros viajantes da península, deslocando o eixo mediterrânico para o Atlântico. Os grandes momentos da história italiana estariam em Roma e nos Renascimentos, comportados entre os séculos XII e XIV e entre meados do XV ao XVII, como proporiam alguns historiadores. Depois, a partir do século XIX, uma parte de sua população derrama-se pelo mundo e chega aos portos da América. A Itália nos alcança de modo perene em obras seminais da cultura latina, da vertente humanista, do pensamento político, da tradição cartográfica, no comércio de produtos, imagens e notícias das novas terras. Sua tardia unificação não impediu que a história de suas casas reais, cidades e repúblicas fosse também a das alianças, conflitos militares e da violenta disputa pela hegemonia religiosa e étnica que formou a Europa moderna e chegou às colônias. Cenário da revolução promovida por Galileu, da escrita shakespeariana dos amantes de Verona e mercadores de Veneza, as cenas da vida italiana formam uma memória alimentada ainda pelos milhares de italianos que se dirigem enfim ao Brasil.

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Vista da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, da ilha das Cobras. Litografia de Gatti e Duca. Napoli, 1844

Em As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino, Marco Polo descreve a Kublai Khan as cidades de seu império em um diálogo infinito e fantástico. E após um sonho, Khan o interroga sobre uma cidade em que “o cais é alto e a água escura bate contra os muros, que apresentam escadas de pedra escorregadias por causa das algas. Barcos untados de piche aguardam no atracadouro os parentes que retardam a partida despedindo-se dos familiares. As despedidas se dão em silêncio, mas com lágrimas. Faz frio; todos usam xales na cabeça. O viajante aninha-se na proa, afasta-se observando os que permaneceram”. O segredo dessa cidade, responde o explorador veneziano, é que ela só conhece partidas e não retornos.

A grande imigração iniciada no século XIX promoveu um reencontro da Itália com o Novo Mundo, os italianos trazendo nas bagagens promessas e sonhos de um recomeço nas Américas. No Brasil, vindos a princípio para repor a mão de obra escrava que lutava por sua libertação, os italianos, que esperavam terras e riquezas, encontraram a dura realidade de muito trabalho e privações nas fazendas de café e nas colônias agrícolas. Apesar das dificuldades, foram ficando, criando raízes, e com o passar do tempo muitos acabaram por tornarem-se brasileiros, e por aqui construíram suas famílias e seus destinos.

Os acervos do Arquivo Nacional nos permitem reconstituir uma parte da história de algumas das inúmeras famílias que aqui chegaram, a maioria pelo porto do Rio de Janeiro, e partiram para o interior do Sul e Sudeste brasileiros. As relações de vapores, listagens nominais produzidas nos navios que traziam os emigrantes, os livros de entrada nas hospedarias do governo, como a da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, nos permitem reconstruir os números e os trajetos dos italianos que vinham para o Brasil. Os documentos gerados pela Inspetoria de Terras e Colonização registram sua circulação pelo território e alguns aspectos da vida nas colônias, também presentes nos mapas. Já os processos de naturalização e de permanência trazem documentos pessoais preciosos, como certidões de nascimento e casamento, e descrevem parte das atividades que exerceram no Brasil até que se decidissem por aqui permanecer definitivamente ou naturalizarem-se brasileiros. Somam-se a essa documentação mais oficial, os anúncios do Almanaque Laemmert e os rótulos de produtos, que registram os ítalo-brasileiros no comércio e o consumo de produtos italianos, os passaportes, fotografias de imigrantes e os pedidos de patente de inventos de italianos e seus descendentes.

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Vista interior da casa de Pansa restaurada, em Pompeia.
Desenho do litógrafo e ilustrador francês Lancelot. Edouard Thomas Charton. Le tour du monde…, 1860-1874

Se em parte as viagens são dos emigrantes que deixam a Itália e rumam para o Brasil, tempos depois são os brasileiros, em circunstâncias mais graves, que fazem o caminho contrário. Nos anos 1944 e 1945, pracinhas e pilotos da Força Aérea Brasileira (FAB) embarcam em navios com destino à Europa para lutar na Segunda Guerra, em lado oposto ao dos italianos. Os acervos do Correio da Manhã e da Agência Nacional, acrescidos de imagens do Arquivo de Estado de Roma, oferecem uma variedade impressionante, e por vezes comovente, de cenas da guerra: do front ao cotidiano dos pracinhas que sofreram com o inverno rigoroso, das cidades bombardeadas à volta para casa, depois da rendição. Os italianos daqui também sofreram, por sua vez, pois temiam pelos parentes que na Europa ficaram, e enfrentavam a desconfiança dos que os acolheram décadas antes. Quando o Brasil declara guerra ao Eixo, esses imigrantes passam a ser vistos como inimigos. São tempos difíceis, de suspeitas e perseguições, quando mais italianos desistem de sua nacionalidade e adotam o Brasil como pátria.

No pós-guerra, enquanto os anos 1950 são de otimismo para os brasileiros, a reconstrução da Europa pesa sobre os italianos, que encontram no cinema das ruas, do neorrealismo a estética desses tempos. Do acervo do jornal Correio da Manhã vêm as cenas de filmes e fotos de artistas e diretores que nos vinte anos seguintes criaram uma das maiores cinematografias contemporâneas: Fellini, Antonioni, Visconti, Bertolucci formaram gerações de cinéfilos em todo o mundo. E, entre tantas manifestações do gênio artístico italiano de nosso tempo, homenageamos ainda a ópera, gênero nascido na Itália moderna, a música teatral que gerou divas e maestros como o foi o brasileiro de origem italiana Henrique Oswald.

Desta forma, fizemos também uma moderna viagem pelas relações construídas durante séculos de contatos entre italianos e brasileiros, que demonstram raízes criadas ao longo da história e que deixaram influências na cultura de ambos os povos. Convidamos a todos para empreenderem também suas viagens italianas. Andiamo in Merica!

Cláudia Beatriz Heynemann
Renata William Santos do Vale
Curadoras

VISITE A EXPOSIÇÃO

Fonte: Arquivo Nacional

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