Clícea Maria Miranda*

Clícea Maria Miranda
Ao longo da história, o corpo negro ganhou o olhar da ciência sob a perspectiva de inferioridade racial. Os movimentos sociais negros e pessoas comprometidas com a luta antirracista trabalharam e ainda lutam para desconstruir o que a ciência perigosamente cristalizou: a associação do negro com animalização e a irracionalidade. Digo perigosamente porque custou a desumanização das pessoas negras. Desumanização que no século XIX transformou a Saartjie Baatrman na Vênus Hotentote, uma mulher africana cujas ancas, por serem grandes, chamaram a atenção da ciência e da sociedade europeia e por isso tornou-se peça de museu após ter se transformado em espetáculo circense.
Essa desumanização até hoje tem alto custo social, vide o caso recente da Sra. Claudia Ferreira, jogada na mala de um carro policial após ter sido baleada na Zona Norte no Rio de Janeiro; o assassinato de jovens negros, cujo alto índice não ganha campanha de mobilização e nem provoca comoção da sociedade brasileira contra situação tão grave.
A reação do jogador Daniel Alves ao ato de racismo sofrido em uma partida de futebol é uma resposta aos atos ofensivos que já humilharam outros jogadores e que ocorrem com a maioria das pessoas negras quando associadas à figura do macaco. O x da questão não está na reação do jogador em si, mas no teor da campanha e nos usos e abusos do episódio. Não se trata da publicidade em torno do fato exclusivamente, mas do perigo do significado disso como campanha pela igualdade racial.
Infelizmente o racismo não vai acabar tão cedo, ele está lá fora, na Espanha, mas também está aqui no Brasil, onde tornou-se estruturante em nossa sociedade, e portanto difícil de combater. Como ele se faz bem sucedido? As respostas para essa pergunta são complexas, tem fundo histórico, porém, são necessárias e urgentes, mas infelizmente boa parte da sociedade brasileira não sabe ou quer responder.
* Clícea Maria Miranda é doutoranda em Historia Social na USP e colaboradora do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro Brasileiros, Ipeafro.
Leia também no blog de HCS-Manguinhos:
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Ricardo Waizbort inocenta Darwin de acusações de racismo e explica que ele defendia que todas as “raças” humanas faziam parte de uma mesma espécie e compartilhavam um ancestral comum: um primata.
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E em HCS-Manguinhos:
Como viviam e morriam os escravos no Brasil?
Treze artigos inéditos do suplemento Saúde e Escravidão revelam como viviam, adoeciam, eram curados ou morriam os escravos e libertos.
Formação de relações regionais em um contexto global: a rivalidade futebolística entre Rio de Janeiro e São Paulo durante a Primeira República - Artigo de Christina Peters que trata de identidades regionais e também discute o racismo no futebol
E ainda mais sobre racismo em HCS-Manguinhos:
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Como citar este post [ISO 690/2010]:
‘O x da questão não está na reação do jogador, mas no teor da campanha’. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 8 May 2014]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/o-x-da-questao-nao-esta-na-reacao-do-jogador-mas-no-teor-da-campanha/